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Dispõe o artigo 695, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil de 2015 que, nas ações de família, o mandado de citação conterá apenas os dados necessários para a convocação para a audiência de conciliação, devendo estar desacompanhada de cópia da petição inicial, chamada de contrafé, assegurando ao réu o direito de examinar o conteúdo da ação a qualquer tempo e este disposto vem causando discussões sobre sua constitucionalidade.

O novel diploma determina que para todas as ações de família haverá, obrigatoriamente, a audiência de conciliação e o procedimento observará o seguinte: proposta a ação corretamente, o juiz mandará citar o réu não mais para que se defenda no prazo de 15 dias, mas para que compareça no dia, hora e local determinados para uma audiência conciliatória. Este mandado, além das informações da audiência, deverá indicar as informações do processo, evidentemente, como número, vara, quem são as partes e a natureza da ação. Contudo, expurgado do ato processual a cópia da petição inicial.

A justificativa do legislador é que, especialmente em ações de família, as petições iniciais vêm acompanhadas de expressiva carga emotiva, de exposições de intimidades, de imputações constrangedoras, de inverdades ou manipulações da verdade, em fim, de discussões que agigantam feridas emocionais graves, capazes de frustrar qualquer possibilidade de solução consensual daquele litígio.

Em outras palavras, a petição inicial em casos de família ostenta conteúdo que, se lido pelo réu, causará profundo sentimento de angústia e raiva que, certamente, inviabilizará o proveito da audiência de conciliação, em derradeiro prejuízo da regra que se inaugura. Assim, o legislador entendeu adequado suprimir este conteúdo do mandado citatório.

Este dispositivo vem causando boas discussões sobre a constitucionalidade da citação desacompanhada de contrafé, por eventual afronta ao princípio do contraditório e ampla defesa. Quem assim entende, defende que a falta de contrafé dificulta ao réu a elaboração da sua defesa, sendo essencial, sob pena de nulidade da citação, o conhecimento pelo o que é demandado.

Contrariamente, quem apoia o dispositivo, sustenta que não haverá nenhuma afronta ao contraditório, pois ao réu é assegurado o direito de examinar integralmente o processo, inclusive a petição inicial, a qualquer tempo. Ainda, o prazo para a defesa será de 15 dias, não mais a partir da juntada do mandado de citação, mas sim, a partir da audiência, oportunidade em que o réu conhecerá o processo. Outrossim, caberá ao advogado conhecer as alegações complacentes à luz do sistema jurídico, descartando as alegações irrelevantes e meramente ofensivas, poupando o réu de aborrecimentos desnecessários, evitando assim posturas beligerantes.

O princípio do contraditório está estampado no inciso LV, do artigo 5º da Constituição Federal e assegura a todos o direito de conhecer a existência de um processo e de todos os atos deste processo, como ainda a garantir o direito de manifestar-se sobre qualquer alegação e reagir aos atos que lhe sejam desfavoráveis, com os meios e recursos inerentes.

Na prática, este direito se materializa pela citação, onde se garante o conhecimento da ação àqueles que ainda não integram a lide; pelas intimações via imprensa oficial, por interposta pessoa, o advogado, pelo qual se garante o conhecimento dos atos praticados; pelo direito de petição, pelo qual se sustenta as alegações e contrariedades; pelos recursos, garantindo o direito de revisão das decisões judiciais.

Assim, em decorrência deste princípio, para a validade do processo é indispensável a citação do réu. Contudo, o próprio código prevê hipóteses de validade do processo ou até mesmo de decisões judiciais anteriores à citação, como a hipótese do indeferimento da petição inicial ou sentença de improcedência liminar do pedido, disciplinados no artigo 239, Código de Processo Civil de 2015. Ou ainda, a tutela provisória, aquela decisão concedida liminarmente em razão da urgência, como disposto no artigo 294. Ainda, nas hipóteses de ausência ou nulidade de citação, esta será convalidada e o processo prosseguirá caso o réu compareça espontaneamente no processo, nos termos do parágrafo único, do artigo 239, do Código de Processo Civil de 2015. O instituto do Julgamento Antecipado da Lide, agora, pelo novel diploma, denominado de Julgamento Antecipado do Mérito, definido no artigo 355 do Código de Processo Civil de 2015, também é um exemplo de possibilidade de sentença proferida sem que o réu tenha se manifestado. E mesmo assim, tais hipóteses não contrariam o princípio do contraditório.

Outro exemplo, para se concluir o raciocínio, encerra a parte final da regra do artigo 285 do vigente Código de Processo Civil (CPC de 1973). Se não constar no mandado citatório a advertência de que a falta de contestação acarreta presunção de verdade dos fatos alegados pelo autor, isto porque o réu pode ser pessoa leiga e não sabe que sua omissão acarretará tão grave consequência, a citação terá efeitos porém sem as consequências da revelia.

Embora ausente a cópia da petição inicial, o mandado citatório permite ao réu o conhecimento da natureza da ação. Adverte, ainda, sobre sua integralização no polo passivo da ação judicial. Convoca o réu para comparecer na audiência conciliatória. Deverá advertir das consequências do não comparecimento e, ainda, informar sobre a possibilidade e a maneira de conhecer os termos da petição inicial. Assim, por uma análise sistemática da norma processual, exemplificada acima, a qual flexibiliza o princípio do contraditório, bem como, diante do resultado prático do comentado artigo 695, parágrafo 1º, poder-se-ia concluir pela inocorrência de qualquer nulidade de citação ou afronta ao princípio do contraditório, mas sim um mecanismo sábio e útil à efetividade processual e mitigação de conflitos.

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