O Tribunal Constitucional Italiano, equivalente ao STF, julgou inválida a lei italiana que proibia casais férteis, mas portadores de anomalias genéticas, de recorrer à técnica de Fertilização in vitro (FIV) associada ao Diagnóstico Genético Pré-implantacional (Pré-implantation Genetic Diagnosis – PGD) através de biopsia embrionária, em outras palavras, a lei julgada inválida proibia a seleção embrionária.
Casais portadores de alguma alteração cromossômica ou com histórico familiar de doença genética, como talassemia, anemia falciformi e muitas outras ou até mesmo síndromes como Down, ainda que férteis, considerando a probabilidade de gerarem uma criança portadora destas anomalias, podem socorrer-se da técnica de FIV com biopsia embrionária, oportunidade em que serão selecionados os embriões saudáveis, evitando assim a transferência de embriões com tais alterações genéticas ou cromossômicas.
Em apertada síntese, a fecundação do óvulo pelo espermatozoide gera uma única célula denominado Zigoto. Nos dias seguintes à fecundação esta célula (zigoto) se multiplica em mais células, formando o embrião (em ambiente laboratorial o embrião é chamado de pré-embrião). Em seu quinto dia de desenvolvimento (blastocisto) o embrião é composto de aproximadamente duzentas células. Para a biopsia é retirada uma ou mais células do embrião nesta fase e submetido a análise em todos os cromossomos, presente alguma anomalia este embrião não será transferido ao útero da mulher e o procedimento se repete até que seja encontrado um embrião totalmente saudável.
Na Itália esta técnica era proibida por lei, mas o órgão máximo do Poder Judiciário Italiano julgou ilegal a referida norma, permitindo assim o uso da técnica naquele país.
No Brasil a prática de Fertilização in vitro é regulamentada por disposição ético disciplinar dirigida à classe médica, no manejo da FIV, por meio da Resolução 2.168/2017 do Conselho Federal de Medicina -CFM. Exemplificativamente o item 5 da Resolução veda a conduta médica de valer-se de qualquer técnica de Reprodução Humana capaz de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, mas permite a técnica com a finalidade de evitar doenças.
Tais avanços biotecnológicos garantem o desenvolvimento de embriões e fetos saudáveis em derradeira consecução do direito à saúde. Não se trata de alterarmos geneticamente humanos para criação de pessoas mais fortes, mais inteligentes, mais rápidos, não se trata de transumano, mas sim uma homenagem ao princípio moral da “beneficência procriativa” (de Julian Savulescu, Universidade de Oxford) ao possibilitarmos o uso do avanço tecnológico em favor da saúde humana.
Não menos importante do que o direito constitucional à saúde, consagrado no artigo 6º e no artigo 196 da Constituição Federal, está o direito fundamental ao Planejamento Familiar com o uso dos recursos disponíveis não apenas para decidir livremente o número de filhos mas também para garantir à eles (prole) a devida saúde.
Ainda, nenhuma norma poderia valer-se de fundamentos religiosos para vedar a prática, ainda que a discussão sobre a vida do embrião e sua manipulação possa garantir acirradas discussões sob o viés ético e religioso, sob pena de ofensa à garantia do pluralismo religioso e ao Estado de Direito Laico. De fato, a escolha dos embriões, saudáveis ou não, pode ser deixada ao acaso (à sorte genética, à natureza, à “Deus” ou ao que for) mas também pode ser deixada à vontade dos genitores. Parece-me razoável, assim, defender que a possibilidade dos genitores, portadores de anomalias genéticas e síndromes cromossômicas graves, de selecionarem os embriões saudáveis se revela como Direito Fundamental.