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Hodiernamente o procedimento do divórcio consensual judicial é um exemplo de teratologia jurídica, processo anacrônico e desarrazoado, especialmente pela cogente audiência de conciliação.  Felizmente o Novo Código de Processo Civil (2015) veio corrigir em parte este retrógrado procedimento. Explico.

Obviamente o divórcio judicial consensual só tem sentido se houver nascituro ou filhos incapazes, caso contrário o procedimento observará a via extrajudicial (por escritura pública). Aliás, a via extrajudicial é tão mais eficaz e viável que tornou a via judicial uma alternativa atrofiada. Em outras palavras, judicial só se incabível o divórcio por escritura pública.

Sabe-se que esta exigência vem em socorro ao nascituro ou incapaz, no sentido de haver controle e fiscalização do Estado nas disposições dos genitores quanto aos interesses destes incapazes. Malgrado pense que o Estado, na pessoa do juiz, não goze de melhor aptidão do que os próprios genitores para proteger os interesses das crianças esta é a regra vigente em nosso país.

O procedimento é aquele definido no artigo 1.120 e seguintes do Código de Processo Civil (art. 34, L. 6.515/77), observando as seguintes regras: i) os cônjuges, com a ajuda e subscrição de um advogado, formulam acordo, respeitando-se os requisitos do art. CC 104; ii) deve obedecer, a petição inicial, o disposto no CPC 1.121, abaixo comentado; iii) deve ser assinada na presença do juiz ou, à distância deste, com firma reconhecida; iv) os cônjuges serão ouvidos pelo juiz em separado (art. 3º, § 2º, L. 6.515/77); v) após  poderá homologar o divórcio.

  1. i) A petição inicial deve ser subscrita, afora os cônjuges, por um advogado em razão do poder postulatório que não têm os divorciandos (salvo postulação em causa própria, por óbvio) e também em razão da expertise e do auxílio necessário, principalmente na partilha de bens. Outrossim, o acordo entabulado pelos cônjuges é Negócio Jurídico legítimo aos cônjuges e disponível somente à eles, o Estado não poderia intervir na vontade do divórcio, na partilha de bens, na decisão de eventual retificação ou manutenção de nome, na renúncia recíproca ao exercício dos alimentos et cetera. Mesmo que, nos termos do divórcio, haja excessiva vantagem para um e demasiada desvantagem para outro, se as partes assim convieram, não cabe ao juiz discordar.

Relativamente aos termos que disciplinam os interesses do nascituro ou incapaz, como guarda, regime de visitas ou convivência e alimentos, a atuação do Estado deveria ser tão somente como custos legis.  Infelizmente ainda é muito comum juízes irem além e, em nome de uma equivocada defesa do melhor interesse da criança, alteram as disposições dos genitores impondo sua ideia do melhor padrão para o regime de visitas, para a obrigação de alimentos e, pior, para o exercício da guarda, em derradeiro prejuízo da melhor alternativa encontrada por aquela família específica. Ora, quem melhor que os próprios pais, para decidirem o melhor para sua prole?

Por isso que, na minha modesta opinião, o juiz não poderá, mas sim deverá homologar o acordo apresentado pelas partes.

  1. ii) O art. 1.121 impõe as exigências para a petição inicial do divórcio judicial e, além da prova do casamento (certidão de casamento) e de eventual pacto antenupcial, deverá conter: I – a descrição dos bens e a forma de partilha; II – o acordo sobre a guarda e sobre o regime de visitas ou convivência dos filhos; III – o acordo sobre a contribuição de cada um para com seus filhos e IV – os alimentos do marido à mulher.

Reproduzi o inciso IV em destaque porque sua atual interpretação é o da mútua assistência e não uma obrigação exclusiva do homem à mulher. No mais, repiso que tratam-se de direitos disponíveis aos divorciandos, cabendo ao judiciário tão somente homologar a convenção, inclusive sobre os critérios pertinentes aos alimentos do incapaz. Direito indisponível sim, contudo, o exercício deste direito é disponível aos genitores que podem acomodar este exercício da melhor forma para eles e para a criança (não haverá renuncia ao direito aos alimentos, mas poderá haver renúncia ao exercício no momento do acordo, o que não impede seu futuro exercício se necessário).

iii) O disposto no § 2º, do art. 1.120, determina que o casal lance suas assinaturas na presença do juiz, ou, à distância, com firma reconhecida. Clássico exemplo de burocratização incoerente herdada dos tempos coloniais. A petição firmada pelo casal na presença do advogado, que as reconhece como legítimas, é suficiente para sua validade, até porque existem consequências jurídicas já previstas para falsidades e falsificações e os devidos remédios jurídicos para desfazer atos nulos, inválidos ou inexistentes.

  1. vi) O juiz deverá ouvir os divorciandos em separado, depois conjuntamente, sobre os motivos da separação consensual. Se o juiz se convencer que ambos desejam a separação, sem que haja qualquer hesitação de algum deles, homologará a separação, caso contrário designará audiência de ratificação.

Claro que este escárnio jurídico não vigora desde que o divórcio tornou-se um direito potestativo de quem o deseja, mesmo que diante da discordância da parte contrária. Assim, a homologação do divórcio é direito que independe de qualquer requisito, não cabendo ao Estado questionar o porquê da decisão, inexistindo, portanto, a audiência de ratificação.

Contudo, ainda há quem entenda necessária a audiência de conciliação, antes da homologação dos termos reunidos na petição inicial, mesmo que o STJ tenha proferido brilhante e contemporânea decisão confirmando que a audiência poderá ser dispensada (REsp 1.483.841/RS – 27/03/15).

O objetivo original desta audiência era promover todos os esforços para alcançar a reconciliação do casal. Posteriormente, passou a ter a finalidade de aferir a higidez nas manifestações de vontade das partes e para garantir a proteção pelo Estado e a inequívoca ciência das partes sobre as consequências da decisão.

A norma e seu objetivo é tipicamente fruto de uma sociedade paternalista que não condescende com o livre arbítrio de seus integrantes e edita normas cogentes pautadas na presunção do que seria melhor para todos. Ora, o nível de inclusão social e do acesso à informação da sociedade brasileira não se coaduna com este tipo de pensamento.

Outrossim, os riscos de fraudes poderão ser coibidos com os instrumentos jurídicos previstos e, havendo fraudes, poderão ser resolvidas com os mecanismos disponíveis, além do que tais audiências não evitarão as fraudes que sempre existirão. Não faz sentido manter esta audiência num judiciário abarrotado de processos. E não faz sentido mesmo, tanto assim é que hodiernamente a maioria dos juízes já dispensam tal audiência. Tanto assim é que o Novo Código de Processo Civil excluiu a imposição desta audiência, nos termos do art. 731 e seguintes.

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