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“Crescei e multiplicai-vos e enchei a Terra” (Gen. 1,28), e assim, segundo a Igreja Católica, Deus criou o Matrimônio. É claro que a origem de organizações familiares nos remete à pré-história, mas para o presente artigo, somos obrigados a admitir que, no Brasil, o casamento (atual instituto jurídico) tem origem nas normas da Igreja Católica. Mas e o Divórcio?

O silogismo do texto é que onde há divórcio houve, outrora, casamento, e não há como discorrermos sobre a evolução histórica de um instituto sem acompanhar a história do outro.

Outrossim, preambularmente, é importante a compreensão do instituto do divórcio e seus efeitos, ainda que de maneira singela. Hodiernamente, divórcio significa ato que põe fim à sociedade conjugal e também ao vínculo conjugal. Para entendermos melhor, em apertada síntese, leia-se sociedade conjugal o liame estabelecido pelas obrigações entre os cônjuges e a estrutura formada pelo regime de bens, ao passo que vínculo conjugal é o próprio casamento, a partir dele se estabelece o estado civil da pessoa, enquanto não houver a dissolução do vínculo do casamento os nubentes estão impedidos de contrair novas núpcias.

A história mais remota do casamento (no Brasil) vem do tempo do Império segundo as normas da Igreja Católica, porque o catolicismo era a religião oficial de Portugal, e a dogmática mais importante deste instituto refere-se à indissolubilidade do Matrimônio. Algumas formas de separação de corpos (divortium quoad thorum et habitationem) eram admitidas, mas sem que houvesse o rompimento do vínculo matrimonial. Esta doutrina se consolidou entre 1545 e 1553 com o Concílio de Trento, ocasião em que ficou repelido definitivamente o divórcio (como conhecemos hoje), proclamado-se o matrimônio como um sacramento indissolúvel.

Mesmo após a emancipação brasileira do domínio lusitano (1822), a autoridade eclesiástica continuou vigendo em relação ao casamento. Aliás, em 1827, por Decreto, foi regulamentado o casamento civil com a determinação de vigência do Concílio di Trento. O progresso, relativamente ao tema, ocorreu em 1861, com o Decreto nº 1.144, que extinguiu os efeitos civis do casamento celebrados na forma da lei do império, permitindo o registro de casamentos, nascimentos e óbitos de pessoas que profetizavam outras religiões.

Assinado por José Ildefonso de Sousa Ramos, Ministro do Império e advogado formado em 1834 pela Faculdade de Direito de São Paulo, o Decreto, com seus três (3) artigos, é curto, mas representou um importante avanço na conquista dos direitos civis e na separação entre Igreja e Estado, advinda do Segundo Reinado.

Em 1890, surgiu a primeira importante fonte normativa sobre casamento. Promulgada por Manoel Deodoro da Fonseca, com seus 125 artigos, o Decreto 181 anuncia a lei sobre casamento civil no Brasil. No projeto original o Ministro Ferraz de Campos Salles levou à aprovação norma que regulamentava o casamento, a separação e a dissolução do vínculo matrimonial, mas ante a enorme resistência, a parte que tratava da dissolução do vínculo do casamento ficou restrita ao capítulo “X”, sobre a dissolução do casamento que ocorria somente em caso de morte de um dos cônjuges (art. 93). Na ocasião, o Divórcio não findava o vínculo matrimonial, mas tão somente a sociedade conjugal.

Em 1916, com o advento do Código Beviláqua (Código Civil de 1916), foi criado no Direito Brasileiro o Instituto do Desquite, que nada mais era que o próprio Instituto do Divórcio da norma anterior (Decreto 181/1890) só que com novo nome. O Desquite era a dissolução da sociedade conjugal, contudo, sem que houvesse o desfazimento do vínculo conjugal.

Assim, o CC de 1916 nada inovou no que tange à dissolução conjugal, salvo no nome, mantendo seu conceito anterior, nas palavras do próprio Clóvis Beviláqua: “O desquite põe termo à vida em comum, separa os cônjuges, restitui-lhes a liberdade, permite-lhes dirigir-se, como entenderem, na vida, sem que dependa um do outro, no que quer que seja; mas conserva íntegro o vínculo do matrimônio.” (Clóvis Beviláqua. Código civil dos Estados Unidos do Brasil comentado por Clóvis Beviláqua, v. 2. 12ª ed. atualizada por Achilles Bevilaqua. Rio de Janeiro: Editora Paulo de Azevedo Ltda, 1960, p. 208.)

Até 1977, vigorava o disposto no Código Beviláqua sobre a indissolubilidade do vínculo conjugal, dispondo três hipóteses possíveis para se por termo à sociedade conjugal, assim dispondo o art. 315:

Art. 315. A sociedade conjugal termina:

  1. Pela morte de um dos cônjuges.
  2. Pela nulidade ou anulação do casamento.

III. Pelo desquite, amigável ou judicial.

Parágrafo único. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, não se lhe aplicando a presunção estabelecida neste Código, art. 10, segunda parte” (g.m.)

Outrossim, elencava os motivos possíveis para ensejar o pedido de Desquite, numerados no art. 317:

Art. 317. A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos:

  1. Adultério.
  2. Tentativa de morte.

III. Sevicia, ou injuria grave.

  1. Abandono voluntário do lar conjugal, durante dois anos contínuos.”

Como se percebe, vivíamos em uma sociedade extremamente antidivorcista, da qual a ideia de “até que a morte os separe”, sacramentada pela Igreja Católica, vigorava ao ponto de influenciar o Código Civil e instituir normas que impossibilitavam a dissolução do vínculo matrimonial e dificultavam o alcance do término da sociedade conjugal, com a imposição de entreves e barreiras.

A rigidez da indissolubilidade do casamento, herdado da Igreja Católica, era tão presente que ganhou preceito constitucional. Com a promulgação da Constituição Federal de 1934, a impossibilidade de dissolução do vínculo conjugal tratado pela norma infraconstitucional (CC 1916) foi elevada ao status de constitucional, nos termos do art. 144.

Art 144 – A família, constituída pelo casamento indissolúvel, está sob a proteção especial do Estado.

Parágrafo único – A lei civil determinará os casos de desquite e de anulação de casamento, havendo sempre recurso ex officio , com efeito suspensivo.”

No decorrer das edições das Constituições seguintes, a de 1937, 1946 e 1967, nenhum progresso houve a respeito do tema, mantendo-se a indissolubilidade de maneira intacta pelas referidas Constituições.

Em 1977, dez (10) anos após a promulgação da Constituição de 1967, por meio da Emenda Constitucional nº 9 de 1977, o § 1º, do artigo 175 foi alterado passando a vigorar com nova redação: “o casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos“.

Foi um importante passo para a mudança da cultura antidivorcista, a partir da qual o Brasil eliminou de vez a indissolubilidade do casamento, malgrado a norma ainda representasse um expressivo embaraço ou obstáculo para o alcance da dissolução do vínculo conjugal, tendo em vista que seria necessário uma prévia separação judicial, aguardar três anos e somente depois pretender a dissolução derradeira do casamento.

Vale relembrar o registro histórico na promulgação da referida EC nº 9, que foi aprovada por 219 votos em primeira sessão (15/06/1977) e por 226 votos em sessão final (26/06/1977), sendo promulgada em 28/06/1977.

Pouco tempo depois, em 26/12/1977, era publicada a Lei 6.515/1977, alcunhada de Lei do Divórcio revogou os arts. 315 a 328 do Código Civil de 1916, inserindo definitivamente o Divórcio no Brasil, como instituto hábil para dissolver o vínculo do casamento civil e os efeitos civis do matrimônio religioso.

Em 1988, com a promulgação da atual Constituição Federal, o instituto do Divórcio e a dissolubilidade do casamento foram preservados, recepcionando a nova Constituição os preceitos anteriores da Lei do Divórcio, contudo, representando mais um passo no avanço do tema, com a redução dos prazos da separação judicial e de fato previstos para a obtenção do divórcio. Dispunha o artigo 226, da Constituição Federal de 1988:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(…)

  • 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.”

Assim, para alcançar o divórcio, os pretendentes deveriam aguardar o prazo de um (1) ano após a separação judicial, ou dois (2) anos após a separação de fato, criando neste ponto a modalidade permanente e ordinária de divórcio direto, desde que comprovada a separação de fato por pelo menos dois (2) anos.

Em 1989, com a edição da Lei 7.841/89, houve singela modificação no divórcio, no sentido de adaptar os termos da Lei do Divórcio (6.515/77) aos novos ditames constitucionais, amoldando os prazos para o divórcio-conversão e o divórcio-direto.

Em 2002, com a publicação do atual Código Civil (Lei 10.406), a Lei do Divórcio foi derrogada, isso porque houve uma revogação parcial da referida norma pelo novel código. O novo Código Civil disciplinou a separação e o divórcio, contudo, houve matérias não tratadas, como aquelas dispostas nos art.s 3º, §§ 2º, 3º e 8º e outras regras procedimentais da comentada Lei do Divórcio que continuaram vigendo.

A Lei 11.441/2007 foi a última norma infraconstitucional inserida em nosso ordenamento jurídico, sobre o tema separação e divórcio, introduzindo o sistema de procedimentos administrativos (extrajudiciais) para a separação e o divórcio. Foi um importante avanço no sentido de desburocratizar o divórcio no Brasil e permitir seu alcance por escritura pública, de forma mais simples e rápida.

Não há dúvidas que experimentamos um significativo avanço legislativo e cultural até aqui. Passamos de uma sociedade que não admitia a dissolução do vínculo conjugal, totalmente antidivorcista, para uma sociedade que admitia a dissolução, preenchendo requisitos não tão fáceis de serem alcançados. Evoluímos, então, dessa sociedade antidivorcista para uma sociedade mais divorcista, com a simplificação do incremento para o divórcio pela concepção da via extrajudicial.

Mas manteve-se a resistência legislativa com a imposição de entraves para o Divórcio. Ainda permanecia a necessidade de cumprir prazos com a separação judicial ou de fato, ou com a imposição de culpa alegada por um consorte contra o outro, para fundamentar pedidos de divórcios, em acirradas disputas judiciais. O sistema favorecia a beligerância entre cônjuges, com a exposição de intimidades em processos judiciais, proporcionava a informalidade e incentivava a manutenção de uniões infelizes e falidas.

Como marco na evolução do divórcio no Brasil, a afamada Emenda Constitucional nº 66 de 2010 (EC 66/2010), promulgada em 13/07/2010, alterou o § 6º, do art. 226 da Constituição Federal atual, eliminando finalmente o prévio requisito da separação judicial ou de fato para a obtenção do divórcio.

Assim, estava disposto no § 6º, art. 226, CF:

“Art. 226 (…)

  • 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.”

Após a EC 66/2010:

“Art. 226 (…)

“§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.”

A evolução advinda da EC 66/2010 promoveu a formalização do divórcio de um sem número de casais separados de fato, favoreceu o diálogo, uma vez não sendo mais o divórcio um estratagema desleal para obtensão de vantagens, os Brasileiros ganharam mais autonomia de vontade, ao passo que a mesma autonomia de decisão para casar também vigora para divorciar. Em fim, recentemente vivemos um expressivo e positivo avanço no Direito de Família.

 

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