O Tribunal Constitucional Italiano, equivalente ao nosso Supremo Tribunal Federal, julgou inconstitucional a lei italiana que proibia casais férteis, mas portadores de anomalias genéticas, de recorrer à técnica de Fertilização in vitro (FIV) associada ao Diagnóstico Genético Pré-implantacional (Pré-implantation Genetic Diagnosis – PGD) através de biópsia embrionária. Em outras palavras, a lei proibia a seleção embrionária.
Casais portadores de alguma doença genética como talassemia, anemia falciforme, alteração cromossômica ou com histórico de bebês com síndromes em gestações anteriores, denunciam a probabilidade de gerarem uma criança portadora destas anomalias e podem socorrer-se da técnica de FIV com biópsia embrionária. Nesta ocasião, serão selecionados os embriões saudáveis, evitando assim a transferência de embriões com tais alterações genéticas ou cromossômicas.
Em apertada síntese, a fecundação do óvulo pelo espermatozóide gera uma única célula denominada Zigoto. Nos dias seguintes à fecundação, esta célula (zigoto) se multiplica em mais células, formando o embrião (em ambiente laboratorial o embrião é chamado de pré-embrião). Em seu quinto dia de desenvolvimento (blastocisto) o embrião é composto de aproximadamente duzentas células. Para a biopsia é retirada uma ou mais células do embrião entre o seu terceiro e quinto dias de desenvolvimento, submetendo-o a análise de seus cromossomos. Presente alguma anomalia, este embrião não será transferido ao útero e o procedimento se repete até que seja encontrado um embrião totalmente saudável.
Na Itália esta técnica era proibida por lei, mas o órgão máximo do Poder Judiciário Italiano julgou inconstitucional a referida norma, permitindo assim o uso da técnica naquele país.
No Brasil, não existe regulamentação legal para a prática de Fertilização in vitro, como inexiste vedação para a seleção embrionária, sendo, portanto, permitido. O que existe é a regulação ético disciplinar dirigida à classe médica, no manejo da FIV, por meio da Resolução 2013/2013 do Conselho Federal de Medicina -CFM. Exemplificativamente, o item 4 da Resolução veda a conduta médica de valer-se de qualquer técnica de Reprodução Humana capaz de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, mas permite a técnica com a finalidade de evitar doenças.
Tais avanços biotecnológicos garantem o desenvolvimento de embriões e fetos saudáveis em derradeira consecução do direito à saúde. Não se trata de alterarmos geneticamente humanos para criação de pessoas mais fortes, mais inteligentes, mais rápidos, não se trata de transumano, mas sim uma homenagem ao princípio moral da “beneficência procriativa” (de Julian Savulescu, Universidade de Oxford) ao possibilitarmos o uso do avanço tecnológico em favor da saúde humana.
Não menos importante do que o direito constitucional à saúde, consagrado no artigo 6º e no artigo 196 da Constituição Federal, está o direito fundamental ao Planejamento Familiar com o uso dos recursos disponíveis não apenas para decidir livremente o número de filhos mas também para garantir à eles (prole) a devida saúde.
Ainda, nenhuma norma poderia valer-se de fundamentos religiosos para vedar a prática, ainda que a discussão sobre a vida do embrião e sua manipulação possa garantir acirradas discussões sob o viés ético e religioso, sob pena de ofensa à garantia do pluralismo religioso e ao Estado de Direito Laico. De fato, a escolha dos embriões, saudáveis ou não, pode ser deixada ao acaso (à sorte genética, à natureza, à “Deus” ou ao que for) mas também pode ser deixada à vontade dos genitores. Parece-me razoável, assim, defender que aqueles genitores, portadores de anomalias genéticas e síndromes cromossômicas graves, têm o direito de selecionar os embriões saudáveis, revelando-se esta possibilidade em derradeiro Direito Fundamental.