Obtida decisão inédita em caso de cessão de útero “barriga de aluguel”.
“Justiça facilita registro de bebê de ‘barriga de aluguel‘”. Esta foi a manchete que encapou a primeira página do Jornal Folha de São Paulo e aqueceu a discussão sobre o tema.
Trata-se de decisão judicial obtida em ação inédita, em seus fundamentos, forma e objetivo, por mim patrocinada e que trouxe significativo avanço no estudo jurídico e prático de casos de cessão temporária de útero. Explico:
Defendo com veemência as vantagens e facilidades que se pode obter com a prevenção jurídica, contudo, faz parte da cultura do brasileiro procurar o advogado apenas quando o problema já se materializou e, em alguns casos, quando já tornou-se irremediável.
Felizmente, no caso dos personagens da matéria (meus clientes), fui procurado antecipadamente, com tempo suficiente para criar a estratégia jurídica mais adequada, rápida e indolor para resolver um problema grave, enfrentado por muitos casais (quiçá todos) que se submetem ao procedimento de cessão de útero.
Cessão Temporária De Útero é o termo técnico para o método conhecido como “barria de aluguel” ou “útero de substituição”. Aquela família, seja formada por casais heteroafetivos ou homoafetivos, que aspiram o desejo da maternidade e paternidade, mas que por impossibilidade física, seja pela ausência de útero ou contraindicação de gravidez, não podem gerar um filho, têm como opção a referida técnica.
► Como fazer?
Primeiramente, ao casal deve ser indicado o tratamento de cessão de útero por médico especializado em Reprodução Assistia (RA). O médico irá avaliar se é o caso de indicação da técnica, em sendo, qual procedimento de RA irá adotar (homóloga ou heteróloga), quais eventuais problemas genéticos, etc.
Uma mulher disposta a ceder seu corpo e útero para gerar o filho desde casal deve ser indicada. Evidentemente que esta mulher deve ostentar condições de prover a gestação e seu gesto deve ser puramente gracioso, sendo vedada qualquer cobrança por isso. Esta mulher, a cedente de útero (barriga), deve ser parente de um dos pais biológicos. Caso a barriga não seja parente, o procedimento ainda sim é possível, contudo, o caso deverá ser submetido à autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM).
No campo da medicina e biomedicina a técnica evoluiu significativamente, mas no campo do direito ainda falta muito o que desenvolver. Não há leis específicas que tratem deste tema, há pouco estudo jurídico e raras decisões judiciais, portanto, para que tudo acabe da melhor maneira o casal deverá valer-se de ajuda profissional interdisciplinar: Além da ajuda de médico especializado em tratamentos de RA; de médico obstetra que tenha alguma experiência em casos desse tipo e de psicólogos, o casal, invariavelmente, precisará do auxilio de advogado especializado.
E é neste momento que o auxilio de advogado deveria ter início. Neste momento documentos como Termos de Consentimentos e Contratos serão firmados por todos os envolvidos, laudos médicos e psicológicos serão emitidos e os aspectos jurídicos iniciais serão formatados
Assinados todos os documentos, emitida a autorização do CRM (se o caso) e providenciados os demais documentos, o médico responsável iniciará o tratamento, começando pela FIV. Em apertada síntese, fertilização in vitro (FIV) consiste em técnica de reprodução humana medicamente assistida. Realiza-se, na mulher, uma prévia estimulação ovariana, por meio de medicamentos adequados e com o acompanhamento de médico especialista, que define a data adequada para, com o uso de uma agulha especial, captar o óvulo. Neste mesmo dia é feita a coleta dos espermatozoides do marido e, em ambiente laboratorial (in vitro), é fecundado este óvulo e desta fecundação é gerado o zigoto. Este, formado por uma única célula, se multiplica em mais células formando o pré-embrião.
No caso noticiado, o procedimento da fertilização utilizou o material genético de ambos (pai e mãe), ou seja, o óvulo foi retirado do ovário da mãe, sendo fecundado pelo espermatozoide do pai em ambiente laboratorial. O pré-embrião formado por tal fecundação foi transferido artificialmente para a cavidade uterina da cedente (barriga). No exemplo foi realizado a inseminação homóloga, que consiste no uso do material genético de ambos (espermatozoide do pai e óvulo da mãe). Na hipótese do casal apresentar, além da impossibilidade física de gestação, a ausência de espermatozoide ou do óvulo, a RA poderá ser feita com o uso de material doado, material que pode ser obtido de bancos de óvulos ou espermatozoides, os quais garantem o anonimato dos doadores.
Transferido o pré-embrião para a cavidade uterina da cedente, em poucos dias será confirmada, ou não, a gestação. Com o sucesso do tratamento, a cedente irá gerar a criança, que carrega o material genético do casal (pais biológicos), pelas próximas quase quarenta semanas.
O principal problema prático jurídico começa com o nascimento da criança. Até o surgimento do tratamento de cessão de útero havia a certeza da maternidade – por presunção absoluta mãe era aquela quem dava a criança à luz. Após o tratamento de cessão de útero, esta presunção passou a ser relativa. Contudo, esta presunção, ainda que relativa, obriga o Hospital e Maternidade a declarar o nascimento com vida da criança e indicar quem é a mãe e mãe é aquela quem deu à luz.
Esta declaração é formalizada por meio de um documento (o primeiro documento da criança) chamado Declaração de Nascido Vivo (DNV). Este documento, regulamentado por lei, tem a função de auxiliar na elaboração de políticas públicas e, principalmente, orientar a lavratura do registro civil da criança.
Assim, emitida a DNV em nome da cedente (barriga) a certidão de nascimento também sairá em nome da barriga. Pior, se esta for casada, será indicado como pai o marido da barriga, que nada tem haver com a história. E quais os problemas disso?
O incorreto registro de nascimento deverá ser alterado por meio de ação de retificação de registro civil, ação judicial que, como todas as outras, é demorada e desgastante. E quais os outros prejuízos durante a ação judicial de retificação?
1) Não haverá registro em nome dos verdadeiros pais;
2) A criança sairá do hospital como sendo filha da cedente e seu marido;
3) Os pais não conseguem estender o plano de saúde para o filho;
4) Todos, normalmente, se sujeitarão ao exame de DNA;
5) Caso a cedente se arrependa e queira ficar com a criança, enquanto se discutir judicialmente a paternidade a criança poderá ficar sob a guarda da cedente e não dos verdadeiros pais biológicos;
6) Há o prejuízo psicológico experimentado pelos pais, que saem da maternidade sem o reconhecimento do Estado e da sociedade de que aquele que carregam é seu verdadeiro filho;
7) Todos os achaques de uma ação judicial de retificação de registro;
8) Há o prejuízo para a criança que, durante todo o processo de retificação de registro, permanecerá sem o reconhecimento de sua verdade biológica, quanto a sua maternidade e paternidade.
Grifo, ainda, ao enorme problema para a criança que carregará para sempre o registro de que sua filiação foi um dia alterado, em derradeiro prejuízo do direito de personalidade.
Para evitar tudo isso que, com o uso do procedimento judicial adequado,obtivemos decisão judicial proferida liminarmente, que autorizou o Hospital a emitir o documento já em nome dos pais biológicos. A certidão de nascimento foi expedida horas após o nascimento, de forma íntegra e correta, sem a necessidade de posterior alteração.
Os pais biológicos foram reconhecidos como os verdadeiros pais da criança, desde os primeiros minutos de sua vida e isso não seria possível se eles (pais) não tivessem procurado a ajuda jurídica de forma antecipada.
Prezado,
Parabéns pela alcance da decisão inédita!
Interessante ver as soluções encontradas pelos juristas frente as lacunas do nosso ordenamento.
Mas bem, eu gostaria muito de ler o inteiro teor da decisão. Contudo não tenho tido sorte em encontrá-la. Existiria a possibilidade do Dr. me encaminhar uma cópia? É para um estudo da faculdade. (Desde que o processo não tramite em segredo de justiça, claro!)
Bem, desde já, muitíssimo obrigada!
Atenciosamente,
Amanda.
Amanda, obrigado pelas gentis palavras e pelo interesse. Infelizmente o processo tramitou em segredo de justiça e não posso disponibilizar peças do mesmo sob pena de conduta aética.
Cordialmente,
Danilo Montemurro
Parabéns Dr.
Pelo empenho na inovação e pelo compartilhamento das informações.
Sra. Caroline, obrigado pelas gentis palavras.
Cordialmente,
Danilo Montemurro