Por influência das tradições judaico-cristã, toda a organização familiar constituída na sociedade ocidental tem como base estrutural a monogamia, precipuamente no afã de proteger o núcleo familiar. Entende-se por monogamia o costume celebrado e afiançado por cada consorte de, reciprocamente, manter a exclusividade do desejo sexual. Emana da monogamia a fidelidade como valor social pertinente aos aspectos do afeto marital e da sexualidade.
Juridicamente, no Brasil, a monogamia é homenageada e protegida, sendo a infidelidade e adultério repudiados, contudo, antes de discorrermos sobre a infidelidade e adultério, necessário estabelecer alguns critérios conceituais para a melhor compreensão deste artigo.
A infidelidade, genericamente, é a qualidade ou caráter de infiel, é a deslealdade, traição, perfídia. A pessoa infiel é aquela traiçoeira, desleal, pérfida, que descumpri aquilo que se obrigou, que não é verdadeira. A infidelidade pode existir na esfera de qualquer relação social, mas para este tema o que interesse é a traição da fé conjugal, a infidelidade no âmbito do casamento, é aquela que desafia a monogamia, portanto relacionada ao afeto marital e à sexualidade.
Numa digressão mais aprofundada, diante desta natureza monogâmica, a lei fixou a fidelidade como um dos deveres do casal, em se absterem de praticar ato sexual com terceira pessoa, sob pena de praticar ilícito civil (até 2005 também era ilícito penal – Adultério) por descumprimento deste dever (CC, 1.566, I).
1.556: “São deveres de ambos os cônjuges:
I: fidelidade recíproca;
II: vida em comum, no domicílio conjugal;
III: mútua assistência;
IV: sustento, guarda e educação dos filhos;
V: respeito e consideração mútuos.”
Ainda, lembro o conceito do extinto instituto do adultério como ilícito penal, a prática de relação sexual entre uma pessoa casada e outra que não seja o seu cônjuge. Este conceito, corroborado com a interpretação dos incisos I e V do artigo acima, levou boa parte da doutrina ao entendimento de que a infidelidade é sinônimo de adultério, ou seja, a infidelidade pressupõe ato sexual consumado.
Esta corrente doutrinária concluiu que inexiste a figura da “Infidelidade Virtual”, pois impossível a consumação de ato sexual, entre pessoa casada e terceira pessoa, por intermédio de meios eletrônicos.
Contudo, a corrente contrária, que se tem firmado majoritária, vem entendendo que não se pode dar interpretação tão restrita à infidelidade, para limitar-se somente ao ato sexual consumado, conceituado pelo instituto do adultério. É que adultério não é a única forma de violar os deveres da fidelidade, que é muito mais amplo, fidelidade é gênero do qual o adultério é apenas uma das espécies de violação.
Outrossim, sendo dificílima a produção da prova do adultério, salvo por confissão, a jurisprudência adotou o entendimento da presunção do adultério, demonstrados por condutas suspeitas do cônjuge com terceiro. Assim, simples carícias, excessiva intimidade ou encontros suspeitos com terceira pessoa caracteriza o adultério por presunção. Alem, claro, de violentarem os sentimentos do outro cônjuge e lesarem o disposto no inciso V, do art. 1.556.
Reconhecendo que o Direito evolui, assim como evolui nossa sociedade, temos que admitir este novo fato social, onde há inequivocamente relações sociais sustentadas por meios eletrônicos, algumas vezes unicamente por este ambiente onde a aproximação física nunca ocorreu. Ainda, não se pode ignorar que a internet aproxima pessoas que estão fisicamente distantes, assim como, oportuniza o rompimento de relações de pessoas que estão próximas, muitas vezes de forma dolorosa e cruel.
Não podemos nos apegar à conceitos jurídicos anacrônicos, enquanto cada vez mais pessoas relacionam-se e comunicam-se por meios eletrônicos, de maneira síncrona ou assíncrona, como “WhatsApp”, “Facebook”, “sites”, “blogs”, “videoblogs”, “chats” e tantos outros. Existem, inclusive, redes sociais e apps disponíveis com o propósito de facilitar o encontro de pessoas casadas e dispostas a trair seus consortes, seja limitado ao meio eletrônico ou até mesmo extrapolando o digital para o físico.
Assim, a infidelidade virtual é fato social e causa de dolorosas separações. Ao meu ver, a tipificação jurídica discutida pela doutrina tanto faz, seja ela considerada uma infidelidade material (adultério) ou simplesmente uma ofensa moral, porque o resultado será o mesmo, trata-se sim de ilícito civil e é causa para o Divórcio, nos termos dos incisos I e VI, respectivamente, do artigo 1.573, do Código Civil.
Art. 1.573. Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida a ocorrência de algum dos seguintes motivos:
I – adultério;
II – tentativa de morte;
III – sevícia ou injúria grave;
IV – abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo;
V – condenação por crime infamante;
VI – conduta desonrosa.
Vale lembrar ainda, que a partir de 2010, com a Emenda Constitucional nº 66 (EC 66) a culpa (descumprir um ou mais deveres do casamento) deixou de ser relevante para o divórcio, ou seja, para fins de pretensão de divórcio a infidelidade tornou-se irrelevante.
Contudo, a infidelidade continua sendo ilícito civil e todo ato ilícito que decorra prejuízo à outro, seja no âmbito patrimonial ou moral, obriga a indenizar. Especialmente quando desta ilicitude decorre a exposição da vítima a situações vexatórias ou constrangedoras. Assim, a infidelidade virtual pode ser causa para prejuízos materiais e morais, passíveis de indenização.
Ainda, no âmbito do Direito de Família, a infidelidade tem como consequência a perda do direito aos alimentos côngruos (destinados a manutenção do padrão de vida) e a perda do direito em manter o sobrenome do cônjuge inocente.
Resta a conclusão que a infidelidade virtual é decisivamente um ilícito civil, com consequências jurídicas, além de representar sequelas graves no campo pessoal e psicológico do ofendido, podendo, inclusive, causar graves danos aos filhos.