O caso: O Ministério Público ingressou com pedido de Alvará Judicial para suprimento de vontade do idoso João C. F., ex-hanseniano, pois recusou-se a submeter ao tratamento que consiste na amputação de sua perna, submetendo-se ao iminente risco de morte. O idoso está em processo de necrose do pé esquerdo, resultante de uma lesão ocorrida em novembro de 2011 e que vem se agravando. O Ministério Público agarra-se no laudo psicológico que atesta que o Sr. João encontra-se em estado depressivo e desistindo da própria vida.
Em que pese os argumentos do Ministério Público, entendeu o Tribunal que o Sr. João não apresenta sinais de demência e exames psiquiátricos apontam para perfeita saúde mental e pleno gozo de suas faculdades mentais e absoluta compreensão de seu ato e respectiva consequência. Quer não submeter-se ao tratamento (amputação) para, com sua morte, aliviar enorme sofrimento. Com isso, a justiça gaúcha negou o pedido do Ministério Público em derradeira autorização para a ortotanásia do Sr. João.
Certamente o mais basilar direito é o da vida, mas é um direito e não uma obrigação, e se a cada um pertence o direito fundamental à vida, a cada um pertence o direito à morte, na mesma intensidade de importância. O Sr. João, nascido em 1934, morador de um hospital, ex-hanseniano, certamente já experimentou muitas alegrias e sofrimentos, mas agora, diante do processo de necrose, tem total direito de escolher não ter a perna amputada para a expectativa de prolongar sua vida e encontrar na morte seu alívio.
Outros casos pelo mundo ganharam repercussão internacional, como o do milionário britânico Peter Medley que teve a morte assistida transmitida pela rede BBC de televisão; ou a do médico sul-africano Avron Moss, que acabou suicidando com ingestão de remédios antes que a Justiça terminasse o julgamento do seu caso; ou a comovente e recente história da americana Brittany Maynard que, aos 29 anos, acometida de um câncer terminal diagnosticado alguns meses antes, socorreu-se do suicídio assistido.
No estudo do Biodireito encontramos as figuras da “EUTANÁSIA”, também chamada de “morte boa” e “suicídio assistido”, refere-se aquele em que o paciente, acometido de doença terminal ou que lhe cause ou causará sofrimento que lhe tire o mínimo para uma vida digna, requer ao médico ou terceiro que o mate. Esta prática é proibida no Brasil.
A figura da “ORTOTANÁSIA”, por outro lado, refere-se a morte natural, provocada por uma moléstia, sem que haja a interferência humana (médica) com uso de meios artificiais no afã de prolongar a vida. Ou seja, é o antônimo de Distanásia (obstinação terapêutica ou futilidade médica), pela qual tudo deve ser adotado pelo médico, mesmo que tais procedimentos sejam inúteis ou representem o prolongamento do sofrimento demasiado, ou seja, é prolongar o sofrimento e não a vida. Esta prática (ortotanásia) vem sendo admitida no sistema brasileiro, respeitando-se a vontade do enfermo ou seu representante legal em não submeter-se ao tratamento médico.
Ora, o direito à vida, consagrado no caput do artigo 5º da Constituição Federal, deve coexistir com a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III, CF), ou seja, o direito fundamental à vida digna e com razoável qualidade. Por outro viés, o direito fundamental à vida, relativamente ao seu titular, é um direito e não um dever, ora, não existe obrigação constitucional à vida. Por exemplo, não há tipicidade penal na tentava de suicídio.
Ainda, em convívio constante com o Biodireito está a Bioética, que é uma importante fonte do direito, aqui representada pelo Código de Ética Médica, Resolução 1.931/2009, do Conselho Federal de Medicina, impondo obrigações éticas à classe. Dentre elas, estabelece o “Consentimento Esclarecido” como direito de todo paciente em conhecer sua doença e os tratamentos disponíveis, de forma prévia e acessível, as consequências do tratamento, as perspectivas de resultado, os riscos e sofrimento a que será submetido, tudo em derradeiro desdobro da garantia constitucional à informação, disposta no artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal.
Após o gozo do direito à informação (Consentimento Esclarecido), tem o paciente a prerrogativa de decidir se será ou não submetido ao determinado tratamento, ainda que dele dependa sua vida. Evidentemente que este direito somente poderá ser exercido por aqueles que dispõe livremente de suas faculdades mentais e podem expressar-se sem equívocos.
Do acima sumariamente exposto, decorre o direito ou oportunidade de cada um dispor previamente ou deliberar detalhadamente quais procedimentos médicos aceita ser submetido para prolongar sua vida e em quais hipóteses deseja a ortotanásia. Tal manifestação de vontade vem sendo conhecida como “Testamento Vital”.
Não há norma que conceitue ou discipline o “Testamento Vital”, como espécie de declaração de última vontade, mas há a Resolução 1995/2012, do Conselho Federal de Medicina, que considera a relevância da autonomia da vontade dos pacientes em disciplinar, sobre cuidados médicos e tratamentos, antecipadamente sua vontade, quando estiver incapacidade de expressar, livre e autonomamente, sua vontade. Repisa-se, ainda, que esta declaração antecipada vale contra a vontade dos próprios familiares.
No Brasil, o tema ainda representar significativa polêmica, envolvendo valores diversamente opostos, inclusive com adição de doutrina religiosa e ética, mas parece-me correto afirmar que caminhamos para uma compreensão mais arrojada e contemporânea sobre o assunto, relativamente à muitos outros países, de sorte a assegurar, pelo menos de forma relativa, a autonomia do direito à ortotanásia