Sou advogado de família e pelo ofício que escolhi obrigo-me a tratar de assuntos e travar diálogos indesejados por muitos de meus interlocutores. Boa parte dos assuntos que trato são tabus (morte, divórcio, adultério, brigas familiares por dinheiro, etc.). Embora acostumado aos assuntos proibidos, sinto-me mexendo num vespeiro e até um certo desconforto ao discorrer sobre Planejamento Familiar. Se para mim é difícil falar sobre esse tema, imaginem para os políticos que repudiam os assuntos impopulares. Mas prossigo com minhas opiniões, mesmo assim.
Planejamento Familiar é o projeto de idealização na constituição de prole e continuação da família através dos filhos, biológicos ou socioafetivos, definido pela família de forma conjunta, seja ela tradicional, monoparental ou homoafetiva. É indispensável e absolutamente fundamental e de importância social tamanha, que interfere na vida de toda a sociedade. Em outras palavras, Planejamento Familiar é a decisão de um casal em ter ou não ter filhos, quantos filhos terão, o tempo mais adequado entre cada gestação e o local de nascimento e criação, decisão esta pautada nas condições genéticas, físicas, socioeconômicas e culturais daquela família e as condições de desenvolvimento social e econômico da região onde serão criados.
O Planejamento Familiar é de tal importância que é protegido pelo Estado, nos termos da Lei 9.263/1996, que regulamenta o § 7º, do art. 226, da Constituição Federal. Contudo, embora vigente a Política Nacional de Planejamento Familiar (desde 2007), pela qual se inclui a oferta de oito tipos de contraceptivos, alguns de forma gratuita, a Política Pública, como um todo, atrapalha o Planejamento Familiar daqueles menos favorecidos, quando não oferece educação adequada e, pior, incentiva o aumento da prole com os programas assistenciais, que garantem mais dinheiro quanto mais filhos houver.
Uma verdade lamentável: no Brasil o Planejamento Familiar é privilégio exclusivo da classe média e alta, não sendo adotado por quem mais precisa planejar, a classe de baixa renda. Quando afirmo que a problemática na falta de planejamento extrapola o limite privado de cada família e atinge todo um país, incluindo eu e você, caro leitor, não estou exagerando. Senão vejamos:
Em 1970, a população brasileira era de 90 milhões de pessoas. Conforme os dados do Censo Demográfico realizado em 2010 (IBGE), a população brasileira ultrapassou os 190 milhões, ou seja, em 30 anos a população mais do que dobrou. Somente entre os anos de 2000 e 2004 a população aumentou em 10 milhões de pessoas.
Este monstruoso contingente populacional colocou o Brasil em 5º (quinto) lugar dentre os mais populosos países do mundo, perdendo somente para a China, Índia, EUA e Indonésia. O pior é que há uma enorme irregularidade na distribuição populacional, de sorte que um expressivo número dessa população encontra-se aglomerada em favelas e periferiais das grandes cidades.
Evidentemente não vemos países considerados do “primeiro mundo”, como Suíça, Austrália e Noruega, aumentarem (ou dobrarem) sua população para garantir a qualidade de vida de seus habitantes. O controle da natalidade, como Política Nacional de Planejamento Familiar, exercida de forma séria, abrangente e eficaz, é medida da mais urgente necessidade, ainda que seja impopular.
E por falar em impopular, me causa absoluta perplexidade perceber que, além dos setores religiosos, também há pessoas intelectualizadas e formadoras de opinião, que ainda são contra qualquer tentativa de controle de natalidade, estendidas ás classes mais desfavorecidas.
Não se trata de preconceito. Ora, pensar que Planejamento Familiar é forma de eugenia ou atalho para a diminuição da pobreza é ignorância (diminuindo o número de pobres diminuí-se a pobreza). Sim, a aspiração de filhos é direito de todo o cidadão, assim como planejar antes de tê-los é uma obrigação que todos devem para a sociedade.
As meninas mais pobres não engravidam aos 14 anos para viver os mistérios da maternidade, assim como a mãe de cinco filhos, que mal consegue alimentá-los, não concebe o sexto filho só para vê-lo passar fome. Quem nunca viu uma jovem, moradora de rua e viciada em Crack, perambular grávida pela rua?
O pior é que não apenas gravidez indesejada é fruto de desconhecimento do Planejamento Familiar, mas também gravidezes desejadas, por quem nenhuma condição têm de criar e sustentar uma criança. Quem nunca ouviu a expressão: “onde comem cinco, comem seis”? Que ideia ordinária!, este sexto filho será uma pessoa humana, dotada de vontades e sonhos na vida, os quais serão frustrados por uma desventura praticamente certa, razão pela qual defendo que tais aspirações à maternidade não são tão legítimas, mas fruto da ignorância.
Ainda, acredito que a grande responsável pelo nível de violência urbana que vivemos hoje é a completa falta de Planejamento Familiar. Se analisarmos as crianças e adolescentes apreendidas por crimes, muitas vezes bárbaros, notaremos que a maioria esmagadora delas não tem pai. Tais crianças e adolescentes vêm de lares desfeitos ou que nunca existiram, sempre com muitos irmãos e pais desconhecidos, frutos de mães solteiras e gravidez indesejada.
O número de crianças nas ruas das favelas e periferias fala sozinho. O número de meninas, com idade para brincar de bonecas, nas filas das maternidades públicas, também. Vejam as cadeias, em dias de visitas, o número de adolescentes carregando bebês é assustador. Tais fatos dispensam números precisos e bastam para termos a consciência de que a falta de Planejamento Familiar está diretamente associada à violência urbana.
Por tudo isso, caro leitor, convido-o à reflexão: As ideias de políticas públicas rigorosas e eficazes para o controle de natalidade são legítimas? Seria correto afirmar que a diminuição na maternidade (número de filhos) de mulheres inclusas nas classes média e alta, tem relação com o acesso aos meios contraceptivos somados ao conhecimento e à informação? Se as mulheres e adolescentes inclusas na classe baixa e de pobreza absoluta tivessem acesso aos meios contraceptivos e à informação, haveria uma diminuição na gravidez de adolescentes e uma diminuição de mulheres com mais de dois filhos?
Arrisco a responder “sim”, para todas essas perguntas.